quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Manoel de Barros




















Entrada - Manoel de Barros
Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com os sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim: O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem.




TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMOPARTE I – A DISFUNÇÃO
Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica:
1 – Aceitação da inércia para dar movimento às palavras.
2 – Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 – Percepção de contiguidades anômalas entre verbos e substantivos.
4 – Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras.
5 – Amor por seres desimportantes tanto como pelas coisas desimportantes.
6 – Mania de dar formato de canto às asperezas de uma pedra.
7 – Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais importância aos passarinhos do que aos senadores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário