Não subestime os outros,
Nem os idolatre demais.
Seja educado(a),
mas não certinho(a).
Não minta,
nem conte toda a verdade.
Dance sozinha(o)
quando ninguém
estiver olhando.
Divirta-se enquanto
seu lobo não vem.
Um nó na garganta e o desejo de romper os véus,
derramar meu passado inteiro naquele infinito.
Dizer de cada dia que acordei sozinha
entre o cheiro de urina
e outros meninos de rua, dizer
de cada homem que me tomou
como se eu fosse um pedaço de nada
e satisfez a sanha e saiu na noite
atirando cem reais na mesa da sala.
Quis dizer e ao mesmo tempo tive
a certeza de que alguns segredos
são segredos para sempre,
eu acreditava nisto, contestando a própria Bíblia.
Um eco de uma fala da infância.
Os sermões vibrantes do Padre
naquelas missas em que minha mão
suava segurando a mão da mãe
e que o cheiro de velas rescendia
pela igreja pequena.
A âmbula reluzente que o padre tirava do
sacrário e o som da sineta estridente.
A fumaça negra que espargia quando
o coroinha sacudia o turíbulo.
O silêncio na hora de ajoelhar-se e
a sacralidade em cada objeto –
no cálice, na patena, na hóstia, nos castiçais.
Naquele tempo eu ouvia e
guardava fragmentos da Palavra,
pesavam mais que chumbo em
minhas lembranças.
Não há nada oculto que não seja
um dia desvendado.
Meu pensamento no outrora e as mãos
de Igor recolhendo o agora.
Sonhando um lençol de estrelas para
sua amada misteriosa.
Tivestes um segredo? Destes
que podem fazer seu mundo
desmoronar em um segundo?
Tivestes que esconder o passado
entre as dobras da tua camisa?
Guardá-lo entre as rendas da tua roupa íntima?
Tivestes um segredo? Tens?
Diz-me como traduzir meu passado sem
espantar o mel da alma de Igor?
Trecho do Livro: Constelação dos Ossos –
Bárbara Lia
Quando não havia quase nada na terra
e muito nevoeiro no céu, Deus viu
que tinha tristeza nos olhos e
disse:
haja mais luz,
e as flores nasceram e as cores.
Que lindo,
disse Deus,
e recolheu-se nos aposentos.
Deus pensou na maneira como as flores
deviam espalhar as sementes,
e disse:
cada flor tenha uma pétala borboleta,
e os jardins encheram-se de crianças.
Vou ficar aqui,
disse Deus,
e pôs escritos nos vidros.
As crianças não deram conta de nada.
Andaram aos saltos em terra mole e loira
como papinhas de aveia, nuns sítios,
e mais morena nos de alguma sombra.
Tinham salpicos nas pernas
e sardas nas bochechas.
Os cabelos iam arranjando
as cores da luz.
Mas os pés de Deus abriam crateras e
iam arrastados, a sujar as cores do chão.
que a água vá por caminhos seus
e deixe bocados de terra firme.
margens seguras por salgueiros,
meruges e outras ervas.
E Deus meditou muito.
Passava uma aragem fina,
de som de harpas e liras.
Deus pensou muito, nas árvores e
naquela espécie de música.
Ficou triste outra vez,
e tirou os escritos das vidraças.
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