O SILÊNCIO DAS ASAS...

O SILÊNCIO DAS ASAS...
Este é um canal aberto pelo qual atrevo-me a deixar os sentidos em incubação até que eles transcendam e se transformem numa febre ardente,louca, amável e pensante,para que os olhos trafeguem livres por entre as imagens mudas sobre o grito das palavras soltas. Porém cada fragmento aqui lapidado tem cheiro de terra,jeito de arte, gosto de vida e sabor de pólem. São como as folhas esquecidas que choram no outono,é como um beijo liberto no vazio para que possa ser levado suavemente no assanhar colorido das asas inquietas das borboletas...(lucas)

O Silêncio das Asas

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Coversas Escritas...


Oh! Como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperança.


Luís de Camões, Rimas




Há algum conforto em ouvir, de outros,
os ecos das nossas próprias e longas angústias.

A saudade assume uma forma:
os verdes pinhos da serra distante
que tapa a minha vista
a flutuarem numa névoa de lágrimas...



Ah...Esse meu despedaçamento em ínfimas partes.
Secretos e multicoloridos cacos, estilhaços
de noites em que a convulsão dos sentidos
apaga estrelas e abafa os sonhos.
Nenhuma esperança de brisa. Nenhum álibi
para essa fuga de sonhos.
Nenhuma chuva que lave esse desassossego,
a respiração que falha. A teia em que
me enrosco, em que persisto, é só um emaranhado
de frágeis fios. Um movimento mais brusco,
um inesperado e abrupto suspiro,
um sobressalto do peito, bastam para que o
vôo se faça. Sem asas, corrompendo
o silêncio, tocando o impossível.


Não é sereno o meu mar. Então, eu me faço
pequeno e manso, palavra e verso,
desfiando pérolas de silêncio e algas.
E sigo reinventando começos e poentes.
Recrio mãos, renasço toques e corais,
e todas as coisas miúdas e ínfimas,
que se ocultam, amalgamadas
e serenas, no leito de minhas
inquietas marés.

Manhãs de sol e frio –
caminhar com intuito,
saudar quem se cruza comigo, pontes
de humanidade nos dias sem história.
Suga a humidade da pele o ar limpo,
mas devolve ao olhar um brilho
que só o frio conhece
na córnea lavada das madrugadas.

E ao fim do dia regressar –
tem outra qualidade o ar
do crepúsculo
e às vezes anuncia,
se o vento se aquieta,
a geada da noite
e a vinda de uma lua forasteira
que se molda à curva do meu sono.


confundir se nas pedras nos amplos horizontes dos
rios revolver teus silêncios , escavar
as palavras por trás das tardes, encontrar
se na curva de teu sorriso, enredar se nos teus
lábios, molhar se nas
auroras de teus olhos,
envolver se em teus dedos, desdobrar me na
perdição de nossos corpos insanos...



A todos os que nas noites tempestuosas
das procuram uma lua infantil
aos que já não tinham tempo,
aos que foram esquecidos
na doçura do sono quando todos
nos tinham abandonado
aos espelhos onde nos fitámos,
aos mares que não navegaremos
aos caminhos que percorremos apaixonados e
a que talvez, não tenhamos voltado
ao destino, à bela juventude, aos viajantes
(e eu, aonde ia? e era assim tant tarde - tempo de partir)
às aves de arribação, às locomotivas a vapor que se
cansaram e se viraram de lado para dormir
às espigas que a luz ilumina, às raparigas que despem
para entrarem no céu
às cartas de um anjo para um menino,
aos que se atrasaram, aos que nunca voltarão
à mulher que deita as cartas, ao velho que chora
à Odisseia que vive o poeta ao escrever o
mais pequeno poema
ao instante luminoso que viveu um
homem vivendo uma
vida inteira...

Uma Lua colcheia distraida.
Semínima e seminua,
num semibreve despudor de Lua.
Fusa, difusa, baila, confusa,
uma valsa de silêncios.


De tão abstrato, medra o medo.
De tão intenso, vaza.
De tão ausente,cala.
De tão perene, dorme.
De tão fugaz, evola.
De tão súbito,brota.
Sempre...



O amor acaba, mas não deixa de ser amor.
Ferir o amor acabado é manchar a sua memória.


Se essa que esperei
viesse ainda, o que faria?
Este jardim cheio de neve
é demasiado belo
para ser pisado agora.

Madrugada,

uma qualquer

de entre muitas

a chuva feriu a pele das paisagens adormecidas

passou por aqui quase como uma miragem
mas deixou nódoas de desespero por toda a parte

agora afastou-se
libertou um punhado de estrelas
e deixou respirar as florestas distantes

porém
o ténue brilho dos objectos molhados
reflecte o espectro de uma lenta rendição

existe no ar um cheiro estranho
a terra ensopada crava o seu odor
nas almas já então enlameadas
os olhares cambaleiam na berma dos precipícios
as vozes de revolta são abafadas
pelas muralhas do universo

por todo o lado surgem balas
apontadas aos peitos descobertos...

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