Oh! Como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperança.
Luís de Camões, Rimas
A saudade assume uma forma:
os verdes pinhos da serra distante
que tapa a minha vista
a flutuarem numa névoa de lágrimas...
Secretos e multicoloridos cacos, estilhaços
de noites em que a convulsão dos sentidos
apaga estrelas e abafa os sonhos.
Nenhuma esperança de brisa. Nenhum álibi
para essa fuga de sonhos.
Nenhuma chuva que lave esse desassossego,
a respiração que falha. A teia em que
me enrosco, em que persisto, é só um emaranhado
de frágeis fios. Um movimento mais brusco,
um inesperado e abrupto suspiro,
um sobressalto do peito, bastam para que o
vôo se faça. Sem asas, corrompendo
o silêncio, tocando o impossível.
pequeno e manso, palavra e verso,
desfiando pérolas de silêncio e algas.
E sigo reinventando começos e poentes.
Recrio mãos, renasço toques e corais,
e todas as coisas miúdas e ínfimas,
que se ocultam, amalgamadas
e serenas, no leito de minhas
inquietas marés.
Manhãs de sol e frio –
caminhar com intuito,
saudar quem se cruza comigo, pontes
de humanidade nos dias sem história.
Suga a humidade da pele o ar limpo,
mas devolve ao olhar um brilho
que só o frio conhece
na córnea lavada das madrugadas.
E ao fim do dia regressar –
tem outra qualidade o ar
do crepúsculo
e às vezes anuncia,
se o vento se aquieta,
a geada da noite
e a vinda de uma lua forasteira
que se molda à curva do meu sono.
rios revolver teus silêncios , escavar
as palavras por trás das tardes, encontrar
se na curva de teu sorriso, enredar se nos teus
lábios, molhar se nas auroras de teus olhos,
aos que já não tinham tempo,
na doçura do sono quando todos
aos espelhos onde nos fitámos,
aos caminhos que percorremos apaixonados e
(e eu, aonde ia? e era assim tant tarde - tempo de partir)
às aves de arribação, às locomotivas a vapor que se
cansaram e se viraram de lado para dormir
às espigas que a luz ilumina, às raparigas que despem
às cartas de um anjo para um menino,
à mulher que deita as cartas, ao velho que chora
à Odisseia que vive o poeta ao escrever o
ao instante luminoso que viveu um
vida inteira...
Semínima e seminua,
num semibreve despudor de Lua.
Fusa, difusa, baila, confusa,
uma valsa de silêncios.
De tão intenso, vaza.
De tão ausente,cala.
De tão perene, dorme.
De tão fugaz, evola.
De tão súbito,brota.
Sempre...
viesse ainda, o que faria?
Este jardim cheio de neve
é demasiado belo
para ser pisado agora.
Madrugada,
uma qualquer
de entre muitas
a chuva feriu a pele das paisagens adormecidas
passou por aqui quase como uma miragem
mas deixou nódoas de desespero por toda a parte
agora afastou-se
libertou um punhado de estrelas
e deixou respirar as florestas distantes
porém
o ténue brilho dos objectos molhados
reflecte o espectro de uma lenta rendição
existe no ar um cheiro estranho
a terra ensopada crava o seu odor
nas almas já então enlameadas
os olhares cambaleiam na berma dos precipícios
as vozes de revolta são abafadas
pelas muralhas do universo
por todo o lado surgem balas
apontadas aos peitos descobertos...
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